Criança
famélica recebe tratamento na Somália. Até 2030, famílias de países mais pobres
podem ter que gastar até 70% de suas rendas para comer. Foto: Michael
Goldfarb/Médicos Sem Fronteiras
Pode ser
que alguns ainda se surpreendam, mas nós humanos somos como qualquer outra
espécie que habita o planeta nas funções mais básicas e ordinárias de nossas
existências. A principal tarefa que nos cabe cotidianamente é a de obter
alimento suficiente à nossa própria sobrevivência. Assim mesmo, sejamos
mais ou menos inteligentes, teremos que comer hoje, amanhã e nos dias vindouros
de nossa limitada existência. Nada muito diferente do que faz uma minhoca, um
gambá ou um sabiá.
Esta é
apenas uma entre as muitas leis naturais a que estamos subordinados. O problema
é que a ganância ilógica e estúpida dos poderosos nos tempos modernos buscam
colocar o homo sapiens aquém e além do óbvio. Só assim poderemos
entender a inversão de prioridades ao colocar em risco a produção dos
alimentos, tal com, temos visto com certa frequência em situações alarmantes.
Preços
cada vez mais altos
O mais
recente relatório divulgado na semana passada pela FAO, o órgão das Nações
Unidas para a Alimentação e Agricultura, revela que a elevação no preço dos
alimentos chegou a níveis críticos, ou melhor, desesperadores, principalmente
para os países pobres que necessitam importar alimentos para dar de comer às
suas populações.
Segundo
revelam os dados da FAO, nesses últimos meses os preços do trigo registraram
uma alta estratosférica entre 60% e 80%. O milho, um aumento de 40%. Uma
nefasta combinação entre aquecimento global e produção de energia a qualquer
custo podem estar entre os principais fatores causadores dessas altas. Afinal,
as quebras nas safras de dois gigantes na produção de grãos, Estados Unidos e
Rússia, ocorreram em virtude dos efeitos de secas prolongadas. Nunca é demais
lembrar que a alimentação por grãos, como trigo, milho e arroz, representam a
base da dieta de parte considerável da humanidade.
Mesmo assim
e, infelizmente, o preço desses alimentos tem estado em constante alta, pois
além do prato dos humanos, esses cereais alimentam animais e os veículos
abastecidos por biocombustíveis.
O
relatório afirma que 22 países já enfrentam uma crise prolongada com
altos índices de fome mesmo antes dessa forte alta. Portanto, além do
agravamento da situação desses que já enfrentam uma crise alimentar deve-se
esperar que novos países venham a se juntar a esse grupo de esfomeados.
O próprio
Banco Mundial, na figura de seu presidente Robert Zoellick, também manifestou
preocupação com o aumento da fome do mundo. Segundo ele, a elevação dos preços
agrícolas trará enormes consequências para países em desenvolvimento.
Se os dados atuais da ONU são alarmantes, o futuro parece trazer
ainda mais preocupações. A ONG Oxfam divulgou, também na semana passada,
uma nova edição do relatório “Extreme Weather, Extreme Price”
(Clima Extremo, Preço Extremo). A situação da fome ainda vai piorar:
segundo a organização, “populações que hoje já passam dificuldade para
se alimentar se encontrarão em uma situação ainda pior nas próximas
décadas, comprometendo até 75% de sua renda na compra de comida”.Cálculos da Oxfam estimam que os preços médios de alimentos deverão dobrar até 2030.
No Brasil, o problema é o desperdício
Quarto maior produtor mundial de alimentos, o Brasil produz comida suficiente para alimentar toda a sua população e ainda exportar excedentes. Mas além da má distribuição, um dos maiores problemas do país é o desperdício. Dados da Embrapa estimam em uma perda diária de alimentos na casa das 40 mil toneladas. Uma quantidade suficiente para alimentar em torno de 19 milhões de pessoas com três refeições por dia.
Estudo do Instituto Akatu divulgado no caderno temático “A nutrição e o consumo consciente” nas diversas etapas pelas quais o alimento passa antes de ser adquirido pelo consumidor ocorrem perdas que perfazem essas milhares de toneladas de comida boa que vai parar no lixo, sendo 20% na colheita; 8% no transporte e armazenamento; 15% na indústria de processamento e 1% no varejo. Além disso, devem-se levar em conta todos os recursos naturais que foram utilizados para a produção desperdiçada desses alimentos.
Iniciativas sustentáveis
É óbvio também que tais ações devem contar com a participação da iniciativa privada, fundamental para o sucesso de uma política que vise o bem estar da população. As grandes corporações produtoras de alimentos já possuem uma relevância tal que suas ações para o bem ou para o mal impactam a vida de parte considerável da humanidade.
Um exemplo interessante é o da empresa Sapore, multinacional brasileira responsável pelo abastecimento de mais de 1.100 restaurantes corporativos com cerca de 800 mil refeições servidas diariamente e faturamento na casa do 1 bilhão de reais por ano (dado de 2011).
Os 2 mil fornecedores cadastrados em todo o país que fornecem e preparam os alimentos a serem servidos a esses milhares de trabalhadores todos os dias precisam observar critérios de sustentabilidade determinados no IOS (Inteligência Operacional Sapore) que buscam, entre outros, a redução no desperdício de alimentos, do consumo de água nas cozinhas e dos gastos com energia elétrica e gás.
O uso de equipamentos de última geração em espaços reduzidos de cozinhas de 40 m² também garantem eficiência e a otimização dos processos na preparação dos alimentos.
Os restaurantes também contam com campanhas educativas sobre alimentação saudável e controle do desperdício. Enfim, essa é uma ação, entre tantas, necessárias para que evitemos a perda absurda de alimentos.
É possível mudar, mas tem que ser rapidamente
Basear os investimentos em uma agricultura sustentável com o incentivo aos pequenos produtores, consumir mais produtos locais, melhorar a infraestrutura do transporte e armazenamento para reduzir o desperdício e garantir o acesso da população aos alimentos são ações que deveriam estar presentes em qualquer plano estratégico de um país. Ainda mais se esse país for pobre ou em desenvolvimento. Colocar todos os esforços e todos os setores na busca desse equilíbrio é até mesmo uma questão de governabilidade.
O fato é que se deixarmos as coisas como estão podem se esperar o registro de novas revoltas ao redor do mundo semelhantes as que têm ocorrido cada vez com maior frequência em diferentes regiões do planeta.
Se muitas dessas manifestações tinham, umas mais outras menos, também como motivação a escassez ou a alta no preço dos alimentos, o agravamento da situação não será bom conselheiro na hora de pedir calma aos revoltosos. Afinal, se não for possível comprar comida para colocar no prato dos filhos, não haverá bom senso e bons argumentos capazes de evitar atitudes, no mínimo pouco civilizadas.
Reinaldo Canto
Fonte: Carta capital
DOBLOG: Em se tratando de Braisl e especificamente do semiárido nordestino essa realidade poderá nos atingir caso se confirme prognóstico que indicam ano de estiagem em 2013. É importante ver o que as propostas de candidatos nas eleições deste ano apontam neste sentido.
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