É mais ou
menos parecido com o que você vê nos filmes americanos. Debates acalorados
entre a acusação e a defesa, pessoas comuns decidindo o futuro do réu e um juiz
responsável por lavrar a sentença – tudo permeado por uma verdadeira guerra de
nervos. Mas o tribunal do júri brasileiro tem lá suas peculiaridades. Por
exemplo: se o popstar Michael Jackson estivesse sendo processado no Brasil por
abuso sexual, não teria de enfrentar o júri popular, como acontece nos Estados
Unidos. Isso porque a lei por aqui prevê que só crimes intencionais contra a
vida (ou seja, apenas homicídio doloso, auxílio ou instigação ao suicídio,
aborto e infanticídio – quando a mãe mata o bebê logo após o parto) são
julgados por esse órgão especial.
Mas,
assim como nos filmes, o ponto culminante do julgamento é o debate entre a
acusação, a cargo do promotor público, e a defesa, feita pelo advogado do réu.
Como precisam convencer pessoas comuns, como eu e você, de suas versões do
fato, eles costumam lançar mão de um discurso com forte apelo emocional. E essa
é uma das principais polêmicas sobre esse tipo de julgamento: há quem alegue
que o júri decide mais pelo instinto do que pela razão. Mas, ainda assim, o
tribunal do júri encontra defensores. “Acredito que esse tipo de julgamento
deveria até abranger outros crimes. É democrático, conta com a participação
popular e aumenta o sentido de cidadania”, diz o promotor Eduardo Rheingantz,
do Primeiro Tribunal do Júri de São Paulo.
Todos de pé
Entenda quem é quem no tribunal e como pessoas
comuns decidem o destino do réu
Promotor
Seu papel
é defender os interesses da sociedade. Se ele perceber que o réu é inocente –
ou que merece tratamento diferenciado em virtude das circunstâncias do crime –
deve pedir a sua absolvição ou a atenuante aplicável à provável pena. A família
da vítima pode contratar um assistente que dividirá o tempo da acusação com o
promotor
Juiz-Presidente
Autoridade
máxima do tribunal, faz valer a decisão dos jurados, mas não é responsável por
ela nem pode induzi-la. Ele conduz o julgamento e resolve as questões de
Direito, como definir a pena no caso de condenação. O escrivão – que registra
tudo o que é dito no julgamento – fica ao seu lado
Espectadores
Salvo em
casos de grande repercussão, qualquer pessoa pode assistir ao julgamento. Em
geral, o auditório é ocupado por parentes do réu e da vítima, jornalistas e
estudantes de direito
Testemunha
Defesa e
acusação podem chamar até cinco testemunhas cada. O juiz também pode requerer a
presença de alguém. Muitas vezes, as testemunhas de defesa não viram o que
aconteceu (vão falar do caráter do réu ou apresentar um álibi), enquanto as de
acusação estavam no local do crime
Réu
Quando
está preso, o réu fica algemado e é acompanhado por policias militares. Apesar
de ser a figura central do julgamento (afinal, é seu destino que está sendo
decidido), sua participação é pequena dentro do tribunal
Conselho
de sentença
Dos 21
jurados intimados, só sete participam do julgamento, formando o conselho de
sentença. Eles são sorteados e podem ser recusados pelas partes. São permitidas
até três recusas sem motivo (por exemplo, o promotor pode preferir não ter
pessoas com forte crença religiosa no conselho). Nesse caso, novos nomes serão
sorteados
Sala
secreta
Para cada
quesito a ser votado, os jurados recebem uma cédula com a palavra “sim” e outra
com a palavra “não”. As decisões são tomadas por maioria simples de votos (nos
Estados Unidos, a decisão deve ser unânime) e a votação é sigilosa, ou seja, os
jurados não podem falar sobre suas impressões do processo. Se um julgamento
demorar dois dias ou mais, os jurados se hospedam em alojamentos e são
acompanhados por oficiais de justiça, para garantir que não troquem informações
entre si
Quem são os jurados
Vinte e
um cidadãos são intimados a comparecer ao tribunal na data do julgamento. Devem
ser maiores de 21 anos, alfabetizados e não ter antecedentes criminais. Sete
formarão o conselho de sentença. Os outros serão dispensados. O serviço do júri
é obrigatório e recusá-lo por convicção política, religiosa ou filosófica
implica a perda dos direitos políticos
Passo a passo
Um julgamento pode durar de algumas horas a alguns
dias. Conheça as dez etapas do processo
1 - É
escolhido o conselho de sentença. Defesa e promotoria podem dispensar até três
jurados sorteados. Sete participarão do julgamento
2 - Juiz,
promotor, defesa e jurados formulam, nessa ordem, perguntas para o réu, que tem
o direito de respondê-las ou não
3 - O
juiz apresenta aos jurados o processo, expondo os fatos, as provas existentes e
as conclusões da promotoria e da defesa
4 - São
ouvidas as testemunhas. Primeiro as indicadas pelo juiz (quando há), seguidas
pelas de acusação e depois pelas de defesa
5 -
Começam os debates entre a acusação e a defesa. O primeiro a falar é o
promotor, que tem duas horas para a acusação
6 - O
advogado – ou defensor público, no caso de pessoas que não podem pagar – também
tem duas horas para a defesa
7 - O
promotor pode pedir uma réplica. Cabe ao juiz concedê-la ou não. Também pode
haver uma tréplica do advogado, se necessário
8 - O
juiz formula os quesitos (perguntas) que serão votados pelo conselho de
sentença e os lê, em plenário, para os jurados
9 - Um
oficial de justiça recolhe as cédulas de votação dos quesitos. Os votos são
contabilizados pelo juiz
10 -
Voltando ao plenário, o juiz pede que todos se levantem e dá o veredicto em
público. Estipula a pena e encerra o julgamento
Fonte: Revista Super Interessante
por Ricardo Arcon
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