São João escrevendo o
Apocalipse em Patmos - Bosch
Se neste
momento estamos interagindo, mesmo virtualmente, eu escrevendo e você lendo, é
sinal de que o mundo não acabou em dezembro. Sendo assim, a humanidade vai
continuar sua saga destrutiva sobre o planeta por mais algum tempo. Vamos
continuar destruindo os recursos naturais e matando uns aos outros até que o
planeta nos sacoleje como o faz um cachorro pulguento, como já dizia o velho
Raul Seixas: Buliram muito com o planeta / E
o planeta como um cachorro eu vejo / Se ele já não aguenta mais as
pulgas / Se
livra delas num sacolejo. (As aventuras de Raul Seixas na cidade de
Thor).
Aliás, sobre a data do fim do mundo, se estiver certa a versão de minha
avó materna, ainda viveremos muito tempo sobre o planeta. Quando menino,
assustado com a ideia do mundo acabar um dia, minha avó me acalmava: meu
filho, Deus disse que o mundo se acabaria no ano 2.000, mas Nossa Senhora,
compadecida com os homens e mulheres da terra, encheu a mão de areia e
acrescentou que cada grão de areia valeria mais um ano, com o que Deus havia
concordado. Logo, a tarefa agora é saber quantos grãos de areia comporta a
mão de Nossa Senhora...
Bom, já que estamos vivos e por muito tempo ainda, é hora de pensarmos,
seriamente, como nos comportarmos e nos comprometermos com a melhoria de vida
das pessoas, respeitando seus semelhantes e o meio ambiente. Definitivamente,
basta um rápido olhar sobre os índices de violência e degradação do planeta, o modelo
atual de desenvolvimento e de relacionamento humano não é um sucesso e está nos
conduzindo, cada dia mais um pouco, ao caos e a barbárie. Logo, não vejo
qualquer viabilidade na formulação de adjetivos, meramente semânticos, ao
modelo atual de desenvolvimento. Coisas do tipo: desenvolvimento sustentável,
equilibrado, respeito ao meio ambiente etc. É hora, com urgência urgentíssima,
de pensarmos de uma alternativa substancial a este modelo de desenvolvimento e
de relacionamento humano que adotamos há poucos séculos. Substantivos em lugar
de adjetivos...
Por consequência, o modelo de Poder Judiciário que nos legou a
modernidade, fundado no formalismo anacrônico e na figura do magistrado para
solução dos conflitos e estabelecimento da harmonia social, também está se
mostrando ineficiente, basta um rápido olhar sobre o aumento da litigiosidade,
para nos conduzir a um novo modo de vida. Da mesma forma, a ciência que se
propôs estabelecer os conceitos, métodos e objeto de estudo das relações
humanas reguladas, em consequência, também foi reduzida ao estudo da norma, dos
ritos processuais e da decisão judicial. Enfim, o Direito se resume atualmente
ao estudo da norma em faculdades de Direito. A doutrina, os princípios e a
busca de novos horizontes para a vida livre e abundante, de há muito, deixou de
ser objeto do Direito. Os cursos de Direito, salvo raras exceções, são
condicionados pelos códigos e leis. Assim, o Direito Civil se resume ao estudo
dos livros e capítulos do Código Civil e o mesmo vale para o Direito Penal e
outros ramos do Direito.
As soluções discutidas pelo mundo jurídico para a grave crise do Poder
Judiciário, salvo algumas mentes lúcidas que pensam o conflito como ponto de
partida e defendem alternativas de mediação ao modelo atual, passam sempre pelo
aumento do tamanho do Poder Judiciário. Não percebem que dessa forma, ao buscar
a solução de todos os conflitos transformados em litígio no âmbito do Poder,
não vai demorar muito e será necessária uma estrutura de Poder Judiciário em
cada cidade, cada bairro, cada rua e cada família.
Por fim, considerando que vamos continuar vivos neste ano de 2013, vejo
que alternativa não nos resta além de continuarmos inconformados com os atuais
modelos de sociedade e de Poder Judiciário, pensando e discutindo alternativas
transformadoras e revolucionárias. Para o Poder Judiciário, por exemplo, sua
democratização é imprescindível para qualquer possibilidade de transformação.
Portanto, não basta o CNJ punir juízes corruptos e mais verbas para
informatização se as cúpulas dos Tribunais são escolhidas em gabinetes de
Brasília. Para o Direito, de outro lado, sem uma reformulação profunda no
ensino jurídico, por exemplo, não será possível formar juristas e continuarão
sendo entregues ao mercado, todos os semestres, milhares de técnicos em
legislação pelas faculdades de Direito desse país. Enfim, são ações localizadas
e setoriais, mas são de pequenas mudanças que vamos construindo uma mudança
cada vez maior, pois revoluções são permanentes e não tem data para começar ou terminar.
Gerivaldo
Neiva
* Juiz de Direito (Ba), membro da Associação Juízes para a Democracia
(AJD) e do Law Enforcement Against Prohibition (Leap-Brasil)
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