A Delta, empresa ligada ao esquema de corrupção do Cachoeira,
é a maior empreiteira da transposição. A situação está paralisando tudo
prejuízo aos cofres públicos. Além da corrupção, a transposição não resolve o
maior problema do Nordeste brasileiro: a seca. Confira a análise de Roberto
Malvezzi em artigo publicado pelo sítio São Franscisco Vivo, 16-05-2012.
Pode parecer uma atitude menor de nossa parte reiterar
críticas à Transposição nesse momento de seca, afinal, o sofrimento das pessoas
e dos animais é infinitamente mais relevante que nossas divergências sobre determinadas
obras.
Entretanto, é exatamente em função desse sofrimento, e da
busca incessante para encontrar caminhos de solução, que esse debate mais uma
vez se coloca na ordem do dia.
Ninguém acaba com a seca. Ela é um fenômeno natural e normal
da região semiárida. Portanto, essas matérias sensacionalistas que gostam de
falar de “terra esturricada, mata morta, animais morrendo”, revelam ignorância
a respeito da região. Ela é assim e assim será. Por isso os índios já chamavam
essa mata de “caatinga”, que quer dizer exatamente “mata branca”. Nada está
morto, ao contrário, a caatinga hiberna, adormece para enfrentar um período sem
chuva. Com as primeiras chuvas tudo volta à vida. Apenas o ser humano e os
animais, trazidos de fora, não hibernam. Esses precisam comer e beber, enquanto
a natureza se defenda por conta própria.
Mas, se a natureza não muda – a não ser por uma profunda
mudança no clima global -, a infraestrutura para adequar o ser humano a essa
realidade precisa ser mudada. Essa é a única saída inteligente. Costumamos
repetir que os povos do gelo aprenderam a viver com o gelo, os povos do deserto
aprenderam a viver no deserto, e que nós já deveríamos ter aprendido a conviver
com o semiárido. Essa cultura inovadora está em construção, mas sofre resistências
terríveis de quem aprendeu a ganhar poder e riqueza às custas da miséria do
povo.
Para quem se lembra, o grande argumento governamental – de
marketing – para bancar a Transposição era a proposta de abastecer 12 milhões
de pessoas com água potável. Para tal, cunhou-se a divisão do semiárido
brasileiro entre “Nordeste Setentrional” e o resto do “Nordeste”. Assim,
induzia os incautos a pensarem que o semiárido está restrito ao Ceará, Paraíba
e Rio Grande do Norte. Ainda mais, governo e parte da mídia, por
desconhecimento ou interesses escusos, afirmavam que a Transposição iria levar
água para o “semiárido”, desconhecendo totalmente a pertença da Bahia, Sergipe,
Alagoas, Piauí, Maranhão e Norte de Minas ao mesmo semiárido.
Essa seca matou o argumento oficial. A seca começou em
território baiano, onde qualquer estudante de geografia do Brasil, ensino
primário ou médio, sabe que estão 40% do semiárido brasileiro. A Transposição,
mesmo que funcionasse ou venha funcionar um dia, aponta na direção exatamente
contrária ao território baiano. Aponta para Paraíba, Ceará e Rio Grande do
Norte.
Dr. Manoel Bonfim Ribeiro, por quase uma década diretor do
DNOCS, costuma dizer que as águas estocadas na Bahia cabem num único açude do
Ceará. Para se ter uma idéia mais precisa, dos 36 bilhões de metros cúbicos de
água que podem ser estocados no semiárido, 28 bilhões estão no Ceará. A Bahia
possui capacidade para estocar apenas um bilhão de metros cúbicos.
A Transposição continua semiparalisada, a um custo que já
supera oito bilhões de reais, sem por uma gota d’água a quem quer que seja. Ao
contrário, destruiu açudes e cisternas por onde os canais já passaram,
aumentando a penúria da população que esperava aquela água como redenção de
suas vidas.
Para completar, o próprio Dr. Bonfim afirma que precisamos
fazer a distribuição da água estocada nos açudes. Afinal, segundo informações
recentes do governo cearense, os açudes da região estão em média com 70% de sua
capacidade abastecida. Portanto, não falta água, falta distribuição. Para ele,
temos apenas uma rede de cinco mil km de adutoras no semiárido, quando
precisaríamos de 25 mil km para democratizar a água para o meio urbano. Segundo
a Agência Nacional de Águas, 1700 municípios do Nordeste precisam de adutoras
ou serviços de água para não entrarem em colapso hídrico até 2025.
Já expusemos à exaustão que essa seca, terrível em termos de
diminuição das chuvas, mas prevista no clico das secas, ao menos não fará
vítimas humanas na extensão daquela de 1982. A perda de safra e animais ainda é
inevitável.
Continuaremos defendendo uma proposta sistêmica para todo
semiárido, sem exclusões. O caminho é a convivência com esse ambiente, através
de uma imensa malha de pequenas obras – se não fossem as cisternas para beber e
produzir nesse momento, ainda que seja como depósito de água de pipas, o povo
estaria bebendo lama de barreiros -, da agroecologia adaptada, da criação de
animais resistentes ao clima, da apicultura, da garantia da terra aos
agricultores, assim por diante. Para o meio urbano, a democratização da água
através das adutoras, priorizando o abastecimento humano e a dessedentação dos
animais.
Temos todos os meios nas mãos. Faltam estadistas que
conduzam e aprofundem a revolução na relação com o semiárido. Quando assim for,
secas serão apenas fenômenos naturais, não mais tragédias sociais.
Roberto Malvezzi em artigo publicado pelo sítio São
Franscisco Vivo.
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